quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Funebropatia

Esse negócio de ficar falando demais e pensando demais sobre a morte pode ser perigoso. A pessoa pode desenvolver a chamada "Síndrome da Funebropatia".

Quem sofre disso vive esperando uma morte ou um velório pra se sentir bem. Daí, passa os dias e, principalmente, as noites, só pensa nisso...
- "Quem será o próximo? Será que fulano vai antes de mim?

Nos casos mais graves, quando ninguém morre, a pessoas entra em depressão. Enquanto isso, vai se virando com a morte do último falecido, às vezes por anos a fio. Os parentes mais próximos já voltaram à rotina e estão tocando a vida normalmente, mas ele fica lá, lembrando todo dia:
- "Mas e o seu pai! Que coisa! Coitado! Morreu, né!..."
E os próprios filhos:
- "É!... Eu sei! Morreu há muitos anos! Mas Deus sabe o que faz!".
E o cara insiste com um monte de argumentos pra se justificar e pra manter o tema na pauta:
- "Pois é!... Mas eu nunca vou me conformar! Não dá pra encarar essa vida sem ele! Eu vivo sonhado com ele! Outro dia ele esteve comigo num sonho lindo. Me abraçou, conversou comigo, foi como se eu tivesse sentido ele de verdade! Falou que esteve com Nossa Senhora e que ela me elogiou..." e por aí afora. Tudo invenção! Só pra se vangloriar, já que o morto não está mais aqui pra desmentir!...

Meio "deprê", ele fica fazendo insinuações sobre a própria morte, pra chamar a atenção sobre si e, também, pra manter seu assunto predileto. Os amigos até tentam animar:
- "Que tal uma pescaria no feriadão?"
- "É. Pode ser. Vou em mais essa antes d'eu morrer". Outros insistem:
- "Que maravilha! Você viajou pra Europa! Você gostou?"
- "Foi bom. Mas penso que foi a última antes d'eu morrer".
E, assim, vai levando os seus "últimos dias" por anos e décadas: "não sei se volto antes d'eu morrer, Cumade", "tô com um pressentimento: essa deve ser a última, antes d'eu morrer", "Oh, quero você lá, no meu enterro, viu!"...

Mas quando tem novo velório é aquela bondade! Lá vai ele, todo feliz, declarar amor ao morto. Antes do coitado morrer, detonava ele: "Tenho horror desse futiqueiro!", "Se ele morrer antes de mim, juro que não ponho os pés no velório dele!", etc, etc... Mas, e agora, já que ele morreu, é hora de exaltar o quanto o amava! É hora de prometer que vai seguir o modelo dele e se corrigir, que vai passar a ser uma pessoa boa, que vai amar e tratar melhor os que ficaram vivos. Isso pode até parecer, mas não é manifestação de remorso pelas atitudes praticadas com os outros e, muito menos, com o próprio morto (?). Tanto que nos dias seguintes fica aquela beleeeeza, dizendo que ama todo mundo. Mas, depois de um tempo, ele esquece e volta a ficar perverso e se deprime de novo.

Costuma ser pior ainda quando a pessoa é acometida simultaneamente pela síndrome da "anti soberba funerária". É típico de quem leva a vida de forma arrogante e orgulhosa, fazendo fofocas e intrigas, mentindo e prejudicando os outros e, quando se vê diante do caixão do outro, vem o choque:
- "Ai, meu Deus! Se até esse bosta morreu, então pode acontecer comigo também!!!!
Daí, entra em parafuso!

Muitos "funebropatas" usam os velórios também pra pra conquistar um "Ibopezinho". É uma prática vulgarmente conhecida como "fazer caixão". Funciona assim: aproveitando que tá todo mundo lá, fragilizado, ele aborda os parentes mais próximos, se fazendo de super generoso e humanitário. Diz que rezou muito e que continua rezando e, por isso, com total convicção, afirma que o falecido já tá garantido em um ótimo lugar no Céu.

Esse é um comportamento clássico! Convencendo que o falecido já está no Céu e que ele é responsável por isso, não só traz consolo para o parente, mas também lhe rende algum dividendo moral. E, de quebra, pode colar a ideia de que ele é um "chegado" de Deus e isso traz prestígio pra caramba, principalmente entre as rezadeiras, que estão todas ali, observando! Ele faz isso de forma bem ostensiva, pra que todos os visitantes também acreditem que ele é solidário e prestativo.

Em algumas comunidades tradicionais no interior do México, isso proliferou tanto que hoje já faz parte da cultura familiar. Tanto que, se demorar a morrer uma pessoa da família, eles vão no cemitério e desenterram um para se satisfazerem. Daí, repete tudo de novo! A choradeira, as confissões de arrependimento, as declarações de amor...

Os mexicanos desembestaram tanto por essa doidice que substituíram Nossa Senhora por uma tal Santa Morte.

* Malcyn Dukya é Engenheiro Mecânico e Engenheiro Industrial, Administrador de Empresas, MBA em Gestão Governamental e Ciência Política, Especialista em Direito Administrativo Disciplinar, pesquisador autodidata em Nutrologia e Nutrição Esportiva, História e Sociologia, Meio-Maratonista, ex Diretor de Auditoria Legislativa e ex Presidente de Processos Disciplinares na Administração Federal Brasileira, M∴M.

Nenhum comentário: